Durante as filmagens do drama indie distópico The Assessment, as estrelas Elizabeth Olsen e Alicia Vikander perceberam que a natureza era um elemento crucial para compreender o estranho e hipnotizante mundo de ficção científica do filme.
Atualmente nos cinemas, o longa-metragem de estreia de Fleur Fortuné se passa em um cenário pós-apocalíptico no qual casais precisam passar por um teste administrado pelo governo para ver se têm permissão para se tornarem pais. Mia (Olsen) e Aaryan (Himesh Patel) aceitam receber em sua casa uma avaliadora chamada Virginia (Vikander), que os observará por sete dias. Logo, eles descobrem que a avaliação exige que o casal demonstre literalmente suas habilidades parentais, pois Virginia se comporta como uma criança de verdade, necessitando ser alimentada e banhada.
À medida que a avaliação se desenrola, o público também descobre as condições que levaram a essa sociedade em que o governo controla a reprodução. A vida de Mia e Aaryan mistura elementos ultramodernos e familiares — sua casa fica à beira-mar, equipada com comandos de voz inteligentes e um “escritório” onde Aaryan gera animais virtuais. Mia cuida de uma estufa de plantas nas proximidades e nada no oceano. Sua sociedade é separada do “velho mundo”, uma área da Terra destruída por uma crise climática que quase exterminou a humanidade anos antes.
Esse desastre paira sobre a narrativa, permitindo que o filme levante questões sutis sobre parentalidade, ética e meio ambiente. Olsen e Vikander conversaram com a Variety via Zoom sobre as filmagens nas Ilhas Canárias, na Espanha, como o ambiente natural influenciou a produção e como construíram a fisicalidade dos personagens.
VARIETY: Como foi trabalhar com Fleur?
VIKANDER: Acho que tivemos uma experiência maravilhosa. É muito bom reencontrar todos agora. Conversamos bastante sobre como ficamos muito inspiradas quando conhecemos o trabalho dela, vendo os videoclipes e até mesmo os curtas-metragens que ela fez antes. Ela é uma diretora com um senso visual muito forte, o que é realmente impressionante. E sabendo disso, depois de ver seu trabalho, sabíamos que ela abordaria essa história misturando os temas e elementos desse drama tão íntimo. Ficamos muito animadas para trabalhar com ela. E sim, é seu primeiro longa-metragem, mas desde o início ela sabia exatamente o filme que queria fazer. Ela tem uma maneira muito impressionante de comunicar sua visão e suas ideias desde o primeiro momento.
OLSEN: Sim, ela é uma pessoa muito singular. E, para citar o marido dela, ele sempre diz que existe um “filtro Fleur”. Você pode ler um livro e pensar em algo que está nele, mas a maneira como a Fleur processa essa informação é completamente única.
VARIETY: Sei que Fleur mencionou que sua inspiração para o filme veio de sua experiência com fertilização in vitro (FIV) e que ela comparou isso com a situação atual dos direitos reprodutivos. Vocês também pensaram na premissa do filme sob essa perspectiva?
OLSEN: Como atores, nos conectamos com histórias de maneira sempre muito pessoal, e acho que o que me libertou nesse filme foi o fato de ele não apresentar uma tese clara sobre o que pensar, acreditar ou sentir. Ele cria um espaço para você refletir sobre seus próprios direitos inatos. Permite que você reflita sobre os recursos que usamos neste planeta, sobre por que queremos nos tornar pais, quem tem acesso a esses recursos e por que alguém merece usá-los. São muitas questões oferecidas de maneira elegante para que o público saia do cinema refletindo, sem receber uma conclusão pronta. Você tem esses pensamentos e experiências dentro de um jogo que os personagens jogam entre si. Há um humor absurdo e, ao mesmo tempo, um drama envolvido.
O que vocês acharam do cenário de ficção científica ao ler o roteiro? Ele é bem diferente de outros filmes do gênero.
VIKANDER: Desde o início, tivemos a sensação de que seria algo bem diferente. Eu adorei a estética terrosa, intensa, orgânica, com cores fortes, algo que nos afastava daquele minimalismo que costumamos ver no gênero. Também gostei muito da forma como a natureza teve um papel central. Filmamos os exteriores em Tenerife, e foi um ótimo ponto de partida para estarmos em meio aos elementos naturais, ao vento e até mesmo aos incêndios florestais que estavam acontecendo enquanto estávamos lá. Acho que isso acabou sendo incorporado ao espaço de convivência no filme. Foi maravilhoso ver como o mundo anterior ainda se refletia na casa — pequenos vestígios de materiais e objetos que existiram antes, dando a sensação de um espaço vivido e real.
VARIETY: Falando sobre aquela casa, quando você pisou no set, qual foi sua reação ao ver como eles transformaram a descrição dessa casa futurista em algo tangível? Ela correspondeu ao que você imaginava?
OLSEN: Acho que existe um filtro Fleur. Eu não sabia exatamente como seria, mas achei que ficou muito claro para nós o privilégio que esses dois personagens têm. Acho interessante que Aaryan e Mia sejam membros privilegiados da sociedade, não por causa de um capitalismo aleatório, mas por serem extremamente úteis para aquele mundo devido ao seu trabalho e às suas descobertas científicas. Mesmo em uma distopia futurista, há algo fascinante na ideia de que as pessoas que mais criam, que são as mais úteis, são as que desfrutam desse privilégio. Não acho que realmente respeitamos as pessoas que tornam o mundo um lugar seguro e habitável, então esse aspecto me interessou bastante.
Mas era evidente o privilégio deles dentro daquele espaço, porque a casa é imensa. O que eu mais queria ver era o escritório de Aaryan e a minha estufa. Em relação ao escritório dele, estava curiosa para saber como criariam aquele espaço infinito. Eles usaram uma areia preta que refletia a ilha vulcânica onde estávamos, e tudo o que ele construía vinha dessa areia. Cada detalhe foi pensado com muito cuidado, desde os tijolos que poderiam ter existido naturalmente naquele espaço até os objetos trazidos pela maré de um mundo passado. Foi um set realmente notável para um filme com um orçamento tão pequeno.
VARIETY: Alicia, quero te perguntar sobre interpretar Virginia. Como você conseguiu atuar como uma criança? Quanto ensaio foi necessário?
VIKANDER: Sempre ensaiamos no dia, mas há um certo prazer tanto para quem está atuando quanto para quem está recebendo essa atuação quando existe um elemento de surpresa no momento. Foi algo que me deixou nervosa, mas também estava animada para finalmente explorar esses lados de Virginia. Fiz uma preparação intensa, sim, na minha própria casa. Mas, na época, eu tinha um filho de dois anos e, na verdade, estava com quatro, quatro meses e meio de gravidez no final das filmagens. Então, tive bastante inspiração.
O que mais me surpreendeu foi que muitas memórias antigas voltaram para mim enquanto eu fazia essas cenas. Comportamentos que eu mesma tinha quando era muito, muito jovem, quase como lembranças esquecidas. Percebi que certos gestos e emoções vinham naturalmente, como coisas que me deixavam frustrada, felizes ou com medo. Eu não queria fazer uma caricatura, mas sim algo real e profundo, algo que talvez fizesse os outros personagens se conectarem comigo.
VARIETY: Qual foi o aspecto mais difícil de atuar como uma criança?
VIKANDER: Com a idade, a gente para de usar tanto o corpo. É incrível ver como as crianças são forças da natureza. Manter esse nível de energia foi um desafio. Meu cérebro estava sempre funcionando, sempre pensando no que fazer em seguida, sempre entediado e querendo algo novo. Foi um processo constante, e quando finalmente consegui acessar isso, foi muito útil. Mas, fisicamente, foi bem cansativo.
VARIETY: Elizabeth, como a natação influenciou sua abordagem para Mia e a forma como você entendeu a personagem?
OLSEN: Ela está tão conectada com o corpo e com a natureza que isso precisava transparecer em todos os aspectos da personagem — desde as roupas que ela usa até a maneira como cuida do cabelo. Há uma certa selvageria e naturalidade na forma como ela se move. Só quando está perto da avaliadora é que ela começa a se sentar de forma diferente, tentando ser o mais educada possível. Ela vem de um contexto onde sua mãe era uma mulher livre, poderosa e corajosa, e ela tem sentimentos conflitantes sobre isso. Normalmente, quando construo personagens, começo pela voz — seja com um sotaque ou uma mudança vocal. Mas, para Mia, isso não fazia sentido. Então, a construção dela foi muito mais física, de estar presente no corpo de uma forma que eu nunca tinha explorado em um filme antes.
VARIETY: E em relação à estufa, como foi estar nesse espaço físico e ter esse contato direto com as plantas? Como isso moldou sua personagem?
OLSEN: O mais incrível é que tudo era real. O sistema de irrigação que eles construíram era real. As plantas eram reais. Nenhuma delas era falsa. Foi algo muito poderoso. A estufa foi construída em Tenerife, em meio às rochas vulcânicas. Ver aquelas flores e plantas delicadas sobrevivendo ali, enquanto incêndios florestais aconteciam na ilha e ventos violentos sopravam constantemente, fez com que tudo parecesse ainda mais precioso.
VARIETY: Elizabeth, como a relação de Mia com sua mãe influenciou a forma como você interpretou a personagem e sua visão de mundo?
OLSEN: Acho que há um sentimento de abandono quando você é criança e alguém escolhe ir embora. Eu tive essa experiência com a minha avó, com quem eu não era muito próxima. Mas, um dia, passei o Natal ao lado dela e começamos a conversar sem parar. Eu nunca tinha passado tanto tempo com ela. Perguntei sobre sua infância, e sua história era inacreditável. Ela teve uma vida extremamente difícil, foi mãe solo de quatro filhos logo após a Segunda Guerra Mundial e trabalhou duro em fábricas. Quando teve a chance, já adulta, de se casar novamente e viajar pelo mundo, ela aproveitou. Isso me tocou muito. Pela primeira vez, entendi sua história e todas as vezes que pensei “minha avó nunca está por perto” quando criança desapareceram. Percebi que ela viveu a vida dela, e isso era algo poderoso e corajoso.
É assim que vejo Mia em relação à mãe. Inicialmente, ela sente que foi abandonada porque sua mãe escolheu suas crenças em vez de criar os filhos. Isso gera muita raiva e ressentimento. Mas chega um momento da vida em que você perdoa e começa a admirar a coragem dessa escolha. Você percebe que viver de forma autêntica e não seguir um caminho apenas porque a sociedade impõe é algo valioso. Temos uma vida — como escolhemos vivê-la? Acho que essa é a base da grande decisão que Mia toma no final do filme.